Na semana seguinte, o Maurício telefonou para minha
mãe. Seria para mim, mas eu havia trocado de número. Me
neguei a atender por três vezes. Pedi que minha mãe não
atendesse mais e não ligasse no meu apartamento perguntando
sobre isso. Mas, num dado momento, não pude mais. Pedi que
me enviasse o número do Maurício.
“O que você quer?” Perguntei, em um mensageiro no
celular.
“O Pete está diferente depois que você foi embora! Não
está comendo nem dormindo direito e está sendo agressivo com
a babá! E ele sempre pergunta de você!”
“Achou que ia ser fácil para ele? Pete tem oito anos, e
quatro deles eu estava lá todos os dias! Isso é metade da vida
dele! É como se metade da vida dele de repente fosse embora!
Vai ser difícil mesmo no começo! O que quer que eu faça?”
“Não muito. Pode falar com ele no telefone? Ou nem isso,
só uma mensagem de voz! Só para ele se sentir um pouco
melhor!”
Não respondi. Passei a noite em claro sobre tudo, me
lembrando de cada coisa que passei com Pete, principalmente
as histórias divertidas e as coisas que aprontou. Quando jogou
farinha no ventilador para ver neve cair, por exemplo, entre
muitas coisas. Não me arrependia de nada. Por fim, me lembrei
da despedida que tivemos, de largar o Pete chorando no
estacionamento. E mesmo quebrando todos os meus princípios,
mandei mensagem para o Maurício no dia seguinte avisar a
babá. Eu estaria lá para terminar o que comecei.
Subi as escadas e bati na porta. A nova babá me atendeu.
-Oi, eu sou o antigo tio babá do Pedrinho! O Maurício
avisou, não é?
-Sim, o seu nome é?
Lhe disse meu nome.
Ela queria confirmar se eu era
mesmo a pessoa que dizia que era. Então, me deixou entrar. Era
uma moça jovem, talvez na faixa dos seus dezenove anos, loira,
cabelos cacheados, óculos, uma bandana na cabeça. Pete
brincava de lego em silêncio no tapete. Me aproximei em
silencio, sem ser notado e me sentei ao lado dele.
-É um navio?
-TIIIIOOOOOO! – Virou-se, saltando para cima de mim e
me abraçando.
-Também senti saudade!
-Você voltou!
-Anh. . . Não, Pete! Eu só vim visitar, e mesmo assim, vai
ser bem rápido! Eu não gostei do que aconteceu! – Disse,
enquanto notava que o ursinho ainda estava sobre a televisão. –
Mas eu falei a verdade quando disse que amava você! É
verdade também não é?
-Sim, mas. . . Então você não vai voltar?
-Eu não posso Pete, eu já tenho outro emprego! – Menti. –
E você precisa ser bonzinho para a sua nova babá, porque ela
também está cuidando de você para o papai e para a mamãe!
Eu sei que não é a mesma coisa, e olha, ela não quer ficar no
meu lugar, mas você não pode ficar aqui sozinho, não é?
-É...
-Então eu quero que você sorria! Eu vou continuar
pensando em você todos os dias, ta bom?
-Tá! – Sorriu.
-Vai pensar em mim também?
-Vou! Eu prometo!
-Então tá bom! Último abraço?
Pulou em mim novamente, dessa vez usando o máximo de
suas forças, e fiz o mesmo também. Não posso negar que uma
lágrima desceu. Minha dívida com o Pete estava finalmente
paga, e o cordão umbilical que unia nós dois finalmente foi
cortado. E Pete e eu finalmente éramos espíritos livres e felizes,
presos apenas as lembranças de todas as alegrias que vivemos
juntos, mas prontos para seguir em frente. E ficaria tudo bem,
com toda a certeza, mesmo que tudo não fosse exatamente
como sonhamos.
Assim que atravessei o portão do apartamento, encontrei
um folheto no chão, que por um acaso voou para mim na
calçada. Um novo programa de intercâmbio a trabalho para os
Estados Unidos estava começando a funcionar no Brasil. Era um
programa de Au Pairs, babás que são contratadas para cuidar de
crianças americanas temporariamente, ganhar bem, e ainda
experimentar a vida em outro país. O primeiro contrato era de
seis meses.
De alguma forma, parece que o destino já se encarregava
de me mostrar uma direção para minha vida dali para a frente, mesmo contra todas as possibilidades. E sem que eu soubesse,
um mundo novo de descobertas, inclusive sobre mim mesmo, e
uma nova realidade, se preparava para começar para mim!
.