-Ah, então foi isso! Que susto! – Sorriu o Maurício, depois
de Pete e eu explicarmos tudo, mais tarde.
-Mas foi engraçado! – Sorriu o malandrinho.
-Só se for para você! – Reclamei.
-Acredita que tenho alergia a canela? – Explicou Maurício.
– Tinha isso no seu bolo, por isso passei mal a noite e tive que
sair mais cedo do trabalho hoje!
-Que bom que não é nada mais grave!
-Sim, amanhã já vou estar melhor para trabalhar!
O Maurício me emprestou roupas dele para que eu
pudesse voltar para casa naquele dia, visto que não sobrou uma
única peça de roupa que eu conseguisse usar. Sobretudo a
calça, que ia ser uma eternidade até secar. Deixei tudo secando
no varal do condomínio para buscar no dia seguinte. Realmente
achei que o Maurício tivesse entendido o que aconteceu e tudo
bem. Sobretudo porque Pete confirmou e deu sua própria
versão, igual a minha, da história toda e prometeu que não ia mais fazer aquela bagunça toda na hora do banho. Não me dei
conta de nada.
Voltei a trabalhar no dia seguinte bem cedo. Era uma
sexta feira, e eu estava louco para terminar aquele dia e
descansar.
-Ele está na sala, como sempre! – Maurício me recebeu,
como de costume.
-Tudo bem! Bom serviço, Maurício!
-Para você também!
Entrei no apartamento depois de ver o Maurício descer as
escadas como sempre. Pete me esperava na sala. Mas não
estava sozinho. Dessa vez, na sala, tinha algo grande.
-Desde quando você gosta de ursinhos, Pete?
-Mamãe colocou isso ontem à noite! Falou para não mexer!
Eu não consegui acreditar que aquilo estava acontecendo.
Se fosse um recém chegado tudo certo, mas depois de quatro anos
ininterruptos, sem grandes brigas e discussões entre mim e
eles, e Pete tendo crescido tão saudável e jamais ter reclamado
de nada. Era exagero meu sentir isso como uma facada no meu
peito depois de tudo, de todo o esforço e de tanta dedicação? Perdi o chão completamente ali, enquanto o ursinho me
observava.
-Tio? – Pete chamou, me tirando do transe.
-Vou fazer o seu lanche. – Avisei, me levantando em
seguida, sem dizer mais nada.
Passei em todos os cômodos da casa. Haviam ursinhos em
cima de algum móvel em todos eles. Em TODOS eles. E Pete
nunca, NUNCA, gostou de ursinhos. Ou de qualquer pelúcia que
seja. Então fui para cozinha. Eles queriam ver o cuidador
perfeito, eles teriam o cuidador perfeito. Até o fim do dia!
* * *
-Boa tarde! – Maurício me chamou pelo nome quando
chegou.
Pete e eu aguardávamos em silencio vendo algum desenho
no sofá. Ele estava normal, mas eu não tinha muito ânimo, isso
desde cedo, de conversar muito.
-Senta. – Pedi, sem levantar os olhos.
Ele se sentou na poltrona, largando a maleta ao lado, sem
entender o que estava acontecendo.
-Pete não gosta de ursinhos, Maurício!
-Por favor, me deixe explicar!
-Não há o que explicar. É seu filho, você tem o direito, eu
compreendo perfeitamente. Assim como eu tenho o direito de
não trabalhar em certas condições. Eu amo o Pete de todo o
meu coração e toda minha alma, como se fosse meu filho, e eu o protegi sempre
como se fosse meu próprio coração ou mesmo da minha mãe
aguardando transplante. Sempre com toda a honra e
honestidade. Mas, eu não posso mais Maurício! Esses quatro
anos foram os mais maravilhosos da minha vida, mas eu não
posso mais continuar! Não dessa forma! Eu me demito, Maurício!
-Que? – Maurício e Pete em uníssono.
-Espero que encontrem uma boa babá no final de semana.
E não se preocupe em me pagar por esse mês. Eu já trabalhava
por muito mais do que dinheiro, isso é detalhe. Adeus.
Me chamaram ambos pelo nome. Pete começou a
lacrimejar. Não dei ouvidos. Apenas fui até a porta e desci as
escadas do condomínio, rumo ao estacionamento. Mas antes que
pudesse passar por ela, uma mão pequena tocou a minha.
-Tio!
Eu nunca vi o Pete chorar daquele jeito. Não era um choro
berrando, como crianças costumavam fazer. Era um choro real.
Olhos lacrimejando e voz embargada.
-Por favor, não vai!
Me abaixei para falar com ele.
-Lamento, Pedro! Eu te amo mais do que qualquer coisa
no mundo! Te amo como se fosse meu próprio filho! Mas vamos
encarar os fatos, nós dois, e como homens: Você não é meu
filho, não é nada meu. E eu não sou seu pai, sou um ilustre
desconhecido. E nós já brincamos de pai e filho o suficiente! Eu
te amo, mas é preciso encarar a verdade: Você vai ter outra
babá, e eu vou ter outro emprego! Às vezes as coisas mudam,
faz parte!
-E-eu falo com a minha mãe! Eu peço para tirar os
ursinhos! Eu vou ser bonzinho agora! – Tentou prometer.
-Não é sobre você, Pedro! Você não fez nada, está tudo
bem! Ninguém está bravo com você! É só que.. As coisas
mudam, Pedro!
-É Pete! – Protestou, ainda entre lágrimas.
-Certo. Então ouça pela última vez: Eu te amo, Pete!
-Eu também te amo, Tio!
-Adeus!
Então, me virei e me retirei, deixando que o pequeno me
observasse com lágrimas nos olhos entrar no carro, dar a
partida e deixar o condomínio. E assim, criamos ambos nossas
últimas lembranças um do outro. Ele, com o rosto molhado e o
olhar mais triste que já vira em uma criança, e eu, me retirando
para sempre, com o coração quebrado, assim como a confiança
que lutei tanto para construir nesses quatro anos também fora.
Não sei como ele se sentiu nesse dia, se entendeu o que houve,
ou se achou que eu o abandonei por maldade ou algo assim, se
tem alguma mágoa de mim. Troquei meu telefone e bloqueei os
números do Maurício e da Raquel. Apenas mantive, dali para
frente, a figura do pequeno em minhas orações e meu desejo
profundo de que crescesse bem, saudável e feliz. Amanhã havia
de ser outro dia. Para todos nós.
(Continua em "Depois do Pete". Faço um link assim que o post sair!)
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