Pete #22: Pete e a Despedida - Parte Final

   -Ah, então foi isso! Que susto! – Sorriu o Maurício, depois de Pete e eu explicarmos tudo, mais tarde.
   -Mas foi engraçado! – Sorriu o malandrinho.
   -Só se for para você! – Reclamei.
   -Acredita que tenho alergia a canela? – Explicou Maurício. – Tinha isso no seu bolo, por isso passei mal a noite e tive que sair mais cedo do trabalho hoje!
   -Que bom que não é nada mais grave!
   -Sim, amanhã já vou estar melhor para trabalhar!
   O Maurício me emprestou roupas dele para que eu pudesse voltar para casa naquele dia, visto que não sobrou uma única peça de roupa que eu conseguisse usar. Sobretudo a calça, que ia ser uma eternidade até secar. Deixei tudo secando no varal do condomínio para buscar no dia seguinte. Realmente achei que o Maurício tivesse entendido o que aconteceu e tudo bem. Sobretudo porque Pete confirmou e deu sua própria versão, igual a minha, da história toda e prometeu que não ia mais fazer aquela bagunça toda na hora do banho. Não me dei conta de nada. Voltei a trabalhar no dia seguinte bem cedo. Era uma sexta feira, e eu estava louco para terminar aquele dia e descansar.
   -Ele está na sala, como sempre! – Maurício me recebeu, como de costume.
   -Tudo bem! Bom serviço, Maurício!
   -Para você também!
   Entrei no apartamento depois de ver o Maurício descer as escadas como sempre. Pete me esperava na sala. Mas não estava sozinho. Dessa vez, na sala, tinha algo grande.
   -Desde quando você gosta de ursinhos, Pete?
   -Mamãe colocou isso ontem à noite! Falou para não mexer!
   Eu não consegui acreditar que aquilo estava acontecendo. Se fosse um recém chegado tudo certo, mas depois de quatro anos ininterruptos, sem grandes brigas e discussões entre mim e eles, e Pete tendo crescido tão saudável e jamais ter reclamado de nada. Era exagero meu sentir isso como uma facada no meu peito depois de tudo, de todo o esforço e de tanta dedicação? Perdi o chão completamente ali, enquanto o ursinho me observava.
   -Tio? – Pete chamou, me tirando do transe.
   -Vou fazer o seu lanche. – Avisei, me levantando em seguida, sem dizer mais nada.
   Passei em todos os cômodos da casa. Haviam ursinhos em cima de algum móvel em todos eles. Em TODOS eles. E Pete nunca, NUNCA, gostou de ursinhos. Ou de qualquer pelúcia que seja. Então fui para cozinha. Eles queriam ver o cuidador perfeito, eles teriam o cuidador perfeito. Até o fim do dia!

   * * *
   -Boa tarde! – Maurício me chamou pelo nome quando chegou.
   Pete e eu aguardávamos em silencio vendo algum desenho no sofá. Ele estava normal, mas eu não tinha muito ânimo, isso desde cedo, de conversar muito.
   -Senta. – Pedi, sem levantar os olhos.
   Ele se sentou na poltrona, largando a maleta ao lado, sem entender o que estava acontecendo.
   -Pete não gosta de ursinhos, Maurício!
   -Por favor, me deixe explicar!
   -Não há o que explicar. É seu filho, você tem o direito, eu compreendo perfeitamente. Assim como eu tenho o direito de não trabalhar em certas condições. Eu amo o Pete de todo o meu coração e toda minha alma, como se fosse meu filho, e eu o protegi sempre como se fosse meu próprio coração ou mesmo da minha mãe aguardando transplante. Sempre com toda a honra e honestidade. Mas, eu não posso mais Maurício! Esses quatro anos foram os mais maravilhosos da minha vida, mas eu não posso mais continuar! Não dessa forma! Eu me demito, Maurício!
   -Que? – Maurício e Pete em uníssono.
   -Espero que encontrem uma boa babá no final de semana. E não se preocupe em me pagar por esse mês. Eu já trabalhava por muito mais do que dinheiro, isso é detalhe. Adeus.
   Me chamaram ambos pelo nome. Pete começou a lacrimejar. Não dei ouvidos. Apenas fui até a porta e desci as escadas do condomínio, rumo ao estacionamento. Mas antes que pudesse passar por ela, uma mão pequena tocou a minha.
   -Tio!
   Eu nunca vi o Pete chorar daquele jeito. Não era um choro berrando, como crianças costumavam fazer. Era um choro real. Olhos lacrimejando e voz embargada.
   -Por favor, não vai!
   Me abaixei para falar com ele.
   -Lamento, Pedro! Eu te amo mais do que qualquer coisa no mundo! Te amo como se fosse meu próprio filho! Mas vamos encarar os fatos, nós dois, e como homens: Você não é meu filho, não é nada meu. E eu não sou seu pai, sou um ilustre desconhecido. E nós já brincamos de pai e filho o suficiente! Eu te amo, mas é preciso encarar a verdade: Você vai ter outra babá, e eu vou ter outro emprego! Às vezes as coisas mudam, faz parte!
   -E-eu falo com a minha mãe! Eu peço para tirar os ursinhos! Eu vou ser bonzinho agora! – Tentou prometer.
   -Não é sobre você, Pedro! Você não fez nada, está tudo bem! Ninguém está bravo com você! É só que.. As coisas mudam, Pedro!
   -É Pete! – Protestou, ainda entre lágrimas.
   -Certo. Então ouça pela última vez: Eu te amo, Pete!
   -Eu também te amo, Tio!
   -Adeus!
   Então, me virei e me retirei, deixando que o pequeno me observasse com lágrimas nos olhos entrar no carro, dar a partida e deixar o condomínio. E assim, criamos ambos nossas últimas lembranças um do outro. Ele, com o rosto molhado e o olhar mais triste que já vira em uma criança, e eu, me retirando para sempre, com o coração quebrado, assim como a confiança que lutei tanto para construir nesses quatro anos também fora. Não sei como ele se sentiu nesse dia, se entendeu o que houve, ou se achou que eu o abandonei por maldade ou algo assim, se tem alguma mágoa de mim. Troquei meu telefone e bloqueei os números do Maurício e da Raquel. Apenas mantive, dali para frente, a figura do pequeno em minhas orações e meu desejo profundo de que crescesse bem, saudável e feliz. Amanhã havia de ser outro dia. Para todos nós.

(Continua em "Depois do Pete". Faço um link assim que o post sair!)

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