Eu sinto a necessidade de fazer um pequeno alerta. Essa é a história que escrevi a muito tempo, mas estava aguardando um bom momento de postar, de como o tio babá deixou de trabalhar com Pete, literalmente a coisa que mais amava na vida, e foi para novos ares, trabalhar com novas crianças, coisa que nunca se imaginou fazendo. E se você está aqui pela primeira vez, só será capaz de entender a profundidade dessa história em contexto. Assim, sugiro que leia pelo menos alguma das histórias anteriores antes de prosseguir!
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Era o aniversário de quatro anos desde que comecei a
trabalhar com o Pete. Para mim foi um dia normal, porque havia
me esquecido completamente disso, nunca fui muito bom com
datas. Mas, nesse dia, o Maurício insistiu que eu ficasse mais
um pouco quando ele chegou. Ele trazia um pacote grande nas
mãos, fechado, que não entendi a principio, e a Raquel estava
com ele.
-A gente tem uma surpresa para você, tio! – Disse Pete,
me puxando de volta para dentro do apartamento pela mão.
Quando chegamos à cozinha, um bolo com o número
quatro estava lá sobre a mesa e todos estavam sorrindo. O que
eu também não pude evitar. Foi nessa hora que me lembrei de
tudo. Já iam quatro anos que eu cuidava do Pete, desde que ele
tinha acabado de fazer quatro anos e ainda mal falava as
palavras direito, e eu ainda o levava para a creche todos os dias,
até os seus quase oito anos, quando já tinha de levá-lo a
escolinha, e preparar sua lancheira todos os dias. Por sinal,
aprendi a fazer lanches simples por ele. Naquele momento, o dinheiro não era mais a coisa que me fazia levantar todas as
manhãs para estar ali. Já há muito tempo que era apenas uma
consequência menor, apesar de bem vinda, de tudo o que eu
fazia ali. Apesar de me irritar e me estressar sempre com o
Pete, no fundo até achava divertido, e era muito legal que o
Maurício e a Raquel reconhecessem isso.
Tivemos um início de
noite maravilhoso ali, que prometeram pagar como horas extras,
mesmo eu dizendo que não precisava. Mas aquela era apenas a
calmaria antes da tempestade. Eu ainda não tinha a menor ideia
do que estava por vir.
Cheguei cedo no dia seguinte. Passada a festa, ainda
estávamos no meio da semana. Maurício foi o primeiro a sair.
Parecia meio pálido.
-Bom dia, Maurício! Está tudo bem?
-Não dormi muito bem essa noite, mas o trabalho chama!
Ele já está na sala esperando você!
-Maravilha! Preparo o lanche dele em dez minutos!
-Não sei o que faria sem você! – Me chamou pelo nome
em seguida.
-Não se preocupe, vai tranquilo! – Sorri.
Ele então desce as escadas do condomínio, rumo ao
estacionamento, e eu entrei no apartamento, pronto a enfrentar mais um doloroso, porém divertido dia com o Pete. Ele estava na
sala, me esperando, enquanto assistia a um desenho na TV.
-Bom dia, Pete!
-Oi, tio! – Sorriu, se desligando por um momento.
-O que
quer de lanche hoje?
-Chocolate!
-Hoje não, formiguinha! – Brinquei. – A gente já não comeu
bolo demais ontem? Assim você vai ficar gordinho, gordinho e aí
um dia não vai mais nem conseguir sair do apartamento sem
entalar na porta!
-É, mas vai demorar, então dá para comer bastante até lá!
-Não, de jeito nenhum! Você tem que crescer um menino
forte e saudável! – Me sentei no sofá e o puxei para sentar-se
comigo. – Vamos entrar num acordo? Eu não posso te dar
chocolate, mas eu trouxe uma coisa que você também vai
gostar!
Puxei a mochila para mostrar a ele. Tirei de dentro um
pote grande lacrado de creme de amendoim in natura que
encontrei em uma loja de produtos caseiros no último final de
semana. Sem muito açúcar como costumam vir os processados
no supermercado. Curiosamente, Pete nunca tinha visto isso.
-É doce? – Perguntou, abrindo os olhões e já pondo as
mãos no pote.
-É sim, e esse eu posso fazer no pão para você, tá bom?
Mas você tem que prometer que vai esperar até o recreio para
comer! Combinado?
-Combinado!
-Então tá bom! – Fiz um carinho em seus cabelos.
Peguei o pote e me levantei.
-Então, vou lá na cozinha fazer! Você me espera quietinho
vendo desenho?
-Espero! – Sorriu.
-Então tá bom! – Me levantei e segui para a cozinha.
Eu sabia que ele não ia ficar. Começava pequeno,
buscando outra posição no sofá. Depois, talvez tirasse alguma
catota no nariz, e assim ia. Certa vez o peguei tentando escalar
a estante da televisão para ver se podia tocar o teto. Dependia muito do quanto eu demorasse. Mas voltei logo com a lancheira
já pronta. Dois lanches com pasta de amendoim como prometi, e
uma garrafinha com suco de maça. Não dava para ser mais legal
que isso com ele sobre o lanche. Felizmente, ele ainda estava na fase da catota. Nesse caso, tirou um dos sapatos para mexer
com os dedos.
-Pode por de volta! Nós estamos atrasados!
-Tá booom! – Reclamou.
Aquele foi um dia normal como os outros até o início de
tarde. Levei ele á escolinha com o carro, arrumei o apartamento
do Maurício pela manhã toda e depois fui buscá-lo, como
sempre. Ele disse no carro que adorou a pasta de amendoim
inclusive. Bem, o pote grande estava na despensa do Maurício,
caso quisesse que eu fizesse esse lanche mais vezes para ele.
Voltamos para casa. Brincamos. Pete fez as tarefas menores que
deixei para ele fazer (e lavar a louça não estava entre elas por
motivos óbvios). Mas foi no final da tarde que tudo realmente
começou.
-Tá bom, agora.. – Olhei para o relógio. – Hora do banho!
Seu pai tem que ver você limpinho e arrumadinho quando
chegar! – Principalmente depois do bolo no dia anterior.
Ele então se levantou imediatamente e foi. Era o nosso
acordo. Se ele não obedecesse, no dia seguinte eu não brincaria
mais com ele durante a tarde, e aí seriam só obrigações. Então
fui pegar roupas para ele em seu quarto, depois de preparar a
banheira. O problema é que Pete não ficava quieto, mesmo
nessas situações. O resultado é que, em dois minutos o chão do banheiro ficava encharcado e escorregadio por causa da água
que voava quando ele se mexia. Entrei no banheiro sem nem me
surpreender com a cena. Depois eu passaria um rodo. O
problema não foi ver aquele cenário, enquanto Pete sorria na
banheira como se nada tivesse acontecido.
-Aqui estão suas roupas. – Deixei ao lado da pia. – Você
precisa brincar menos na á..
Pisei em falso em um brinquedo e escorreguei, me
machucando no processo e caindo de cara na banheira e por
pouco não foi em cima dele. Me refiz de imediato. Nem nos
meus sonhos mais malucos eu queria dividir a banheira com ele.
-Olha o que você fez! – Reclamei. – Já conversamos sobre
isso!
-Desculpa, tio!
Tirei a camisa e comecei a torcer. Era uma das minhas
favoritas, de uma banda que eu gostava muito, embora metade
das pessoas fossem achar meio trash. E eu morria de medo
naquele momento de a água quente estragar a estampa tanto que nem pensei.
-O que está acontecendo?
Era o Maurício. Péssimo dia para ele chegar uma hora
mais cedo. Justamente quando estávamos Pete e eu na
banheira.
-E-eu posso explicar! – Avisei, com o sorriso mais amarelo
possível.
(Continua...)
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