Subimos o prédio e entramos no apartamento depois de
uns lances de escadas. O apartamento deles era quase no último andar, e era do tamanho de uma casa média. O dono
daquele lugar construiu menos apartamentos para poder fazê-los maiores e vendê-los mais caro, e várias pessoas pagavam.
Entramos. Pedrinho estava no sofá vendo desenho no celular.
-Olha só! – Sussurrou. Em seguida, olhou para o garoto e
anunciou. – Estou saindo!
-Não! – Começou a chorar, vindo se agarrar na barra da
calça do Maurício. – Não pode íh! – Dizia, na sua linguagem
ainda um pouco de bebê.
Olhei em volta. Tinha uma pequena bola por ali, imitando
uma de futebol, só que um pouco menor. Peguei ela e me
aproximei do Pedrinho. Só então ele notou minha presença.
-Tá vendo essa bolinha, Pedrinho? – Me abaixei para falar
com ele, mostrando ela.
-É minha! - Fez bico.
-Eu sei que é sua, mas olha só, o que acontece se eu jogar
ela na parede!
-Ela vai votá! – Respondeu, com o queixo para cima, como
que me desprezando por entender menos de bolas que ele.
-Pois é! – Respondi, lhe fazendo um carinho como um
reforço positivo, um gesto para induzi-lo a prosseguir com o comportamento que eu queria, no caso, me dar atenção. – O seu
papai também é exatamente assim, quando ele sai, ele logo vai
voltar! E é por isso que ele quer que você fique com a babá, tá
bom?
-Ah.. – Respondeu, sem muita vontade. Não estava
aceitando muito bem ainda o pai precisar ir embora, mas estava
entendendo.
Me virei para o Maurício e pisquei disfarçadamente o olho
para ele.
-Tá, então vou te deixar com o tio cinco minutos enquanto
eu vou na padaria lá embaixo, tá bom?
-Tá. – Respondeu.
Assim, Maurício sem nem acreditar que não havia qualquer
peso extra nas pernas nele enquanto descia as escadas. Quando
voltou, depois de uns dez minutos, com um saco de pães nas
mãos e um pirulito para o Pedrinho, estávamos nós dois
assistindo um desenho qualquer na TV e conversando sobre ele.
-O papai voltou! – Se anunciou.
-Papai! – Sorriu, correndo até ele.
-Não sei como te agradecer! – Disse Maurício, após me
chamar pelo nome. – A Raquel não vai acreditar quando eu
contar!
-Imagina, foi um prazer ajudar!
* * *
Quando foi no domingo seguinte, apesar de resolvido o
problema do Pedrinho em não aceitar ficar com as babás,
aconteceu outro problema. Como todas as babás foram
sucessivamente rejeitadas, nenhuma mais queria tentar se
candidatar a vaga. E no dia seguinte era a escolinha do Pete, e
o Maurício ia voltar a trabalhar, e não podia de forma alguma
levar o Pete com ele. Foi quando lembrou de mim.
-O papai tem que trabalhar amanhã! – Avisou, depois de
colocá-lo para dormir. – Mas ele volta, que nem a bola!
-Tá bom!
-Mas você não pode ficar sozinho enquanto o papai
trabalha, não é? E agora?
-O tio da bola!
-O que? O amigo do papai?
-Ele gosta de desenho!
-Mas ele é menino, Pedro! Você não quer ficar com uma
menina?
Ele apenas deixou de olhar o pai, talvez sem saber muito o
que dizer. Era um garotinho de três anos, não sabia muito bem
como responder a tudo. É só que ainda se lembrava da conversa
que a gente teve. Então, o Maurício me ligou. Era quase fim de
noite, e eu estava pronto para sair novamente para entregar
currículos amanhã.
-O que? Tem certeza disso?
-Quer o emprego ou não? Já conversei com a Raquel! Ela
não gosta da ideia de um homem, mas aceitou uma semana de
experiência! Você sabe, é só para ela desencanar!
-Tá, tudo bem então! Eu passo por aí amanhã cedo!
Cheguei no dia seguinte ao mais completo estado de
medo e ansiedade por aquilo. Nunca tinha me imaginado
trabalhar como babá de uma criança. Até então o que buscava
era dar aulas em creches. O Maurício me recebeu abertamente
na porta. Mais alto que eu, os óculos como sempre, como era
desde os tempos do cursinho, coisa de seis ou sete anos antes.
Fiquei de levar o Pedrinho logo mais na escolinha e depois
pega-lo ao meio dia e ficar com ele no apartamento até o
Maurício chegar, por volta de umas seis horas da tarde. Aceitei
o teste.
-Então é isso! Até mais tarde! Tchau, Pedrinho! – Sorriu
para ele.
-Tchau, papai!
Maurício então deixou o apartamento, atravessando a porta
e descendo as escadas. Ficamos a sós ali, eu e o garoto, já
pronto para a escolinha, mas ainda tinha meia hora para o
horário de levá-lo. Me aproximei e me abaixei para falar com ele.
-Então, hoje é nosso primeiro dia juntos! Se você se
comportar bem na escolinha, quando eu te buscar, a gente vai
fazer uma coisa especial, tá bom? – Prometi.
-Tá bom! - Sorriu.
Então, levei o Pete na escolinha naquele dia e tive que
ligar para o Maurício no serviço para ele avisar que eu podia
pegar o Pedrinho mais tarde, porque no desespero ele tinha se
esquecido sobre isso. Foi nesse dia que peguei o hábito de
arrumar as coisas na casa deles enquanto Pete estava na
escolinha. Eu tinha as chaves do apartamento, e Maurício me
assegurou de que se eu quisesse poderia assistir alguma coisa
na TV ou comer algo na geladeira. Mas, com a TV Globinho
tendo acabado, eu não tinha mais esse tesão de assistir alguma
coisa. Aí comecei a arrumar algumas coisas na casa, vai que isso
me rendia um aumento, ou pelo menos a confiança da Raquel.
Bem, o segundo eu ganhei.
Ao mesmo tempo, também estive preocupado com o que ia fazer com ele quando ele voltasse da
escolinha durante a tarde toda. E foi assim que surgiu o apelido
dele. Eu já estava um pouco cansado depois de toda a faxina
para ficar brincando com ele, então pensei em por algo para a
gente assistir junto e assim completar a maior parte do tempo,
e foi isso que prometi mais cedo. Fiz pipoca e deixei tudo
pronto para quando ele chegasse. E o filme era "Meu amigo, o
Dragão", mas a capa tinha o título original, “Pete’s Dragon”. Ele
ainda não sabia ler, mas ao perguntar o que estava escrito, me
colocou na primeira saia justa de muitas.
-Tá escrito “O Dragão do Pete!”. O nome do menino é
Pete!
-Pete? – Fez aquela carinha de curioso, inclusive jogando a
cabeça na diagonal.
-É que ele se chama Pedrinho, que nem você! E o apelido
dele é Pete! – Disse. Era mais fácil dizer isso com uma criança
de três anos do que explicar diferenças culturais regionais de
nomes e que o filme foi feito nos Estados Unidos. Quem sabe
se ele sabia o que eram os Estados Unidos?
-Então, eu sou Pete?
-É, você é Pete também!
Por alguma razão, o Maurício nunca soube sobre esse
apelido, e foi uma coisa do Pete não cobrar ser chamado assim pelos pais também. Acabou sendo uma coisa nossa. E por
alguma razão isso jamais mudou, mesmo quando ele foi
crescendo. E posso dizer que isso era legal demais. Os primeiros
dias foram até tranquilos na verdade, mas, à medida que ele foi
crescendo, as coisas começaram a mudar e ele se tornou uma
criança muito mais agitada do que naqueles primeiros dias,
sobretudo dos cinco anos para frente. E o que eu estou para
contar aqui é justamente o festival de micos e problemas e
histórias divertidas que esse emprego já rendeu, o que hoje
confesso que valeu muito mais que qualquer salário que eu
pudesse ter recebido por todo esse tempo!
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Ainda na linha dessas histórias inéditas do passado dessa série, a partir do próximo post nós vamos explorar o que aconteceu entre o fim da saga do Pete e o início de Pequenos Americanos!
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