Verissimo no Jornal #06: A Foto


   Foi numa festa de família, dessas de fim de ano. Já que o bisavô estava morre não morre, decidiram tirar uma fotografia de toda a família reunida, talvez pela última vez. A bisa e o bisa sentados, filhos, filhas, noras, genros e netos em volta, bisnetos na frente, esparramados pelo chão. Castelo, o dono da câmara, comandou a pose, depois tirou o olho do visor e ofereceu a câmara a quem ia tirar a fotografia. Mas quem ia tirar a fotografia?
   -Tira você mesmo, ué.
   -Ah, é? E eu não saiu na foto?
   -O Castelo era o genro mais velho. O primeiro genro. O que sustentava os velhos. Tinha que estar na fotografia.
   -Tiro eu – disse o marido da Bitinha.
   -Você fica aqui – comandou a Bitinha.
   Havia uma certa resistência ao marido da Bitinha na família. A Bitinha, orgulhosa, insistia para que o marido reagisse. “Não deixa eles te humilharem, Mário Cesar”, dizia sempre. O Mário Cesar ficou firme onde estava, do lado da mulher. A própria Bitinha fez a sugestão maldosa:
   -Acho que quem deve tirar é o Dudu…
   O Dudu era o filho mais novo de Andradina, uma das noras, casada com o Luiz Olavo. Havia a suspeita, nunca claramente anunciada, de que não fosse o filho do Luiz Olavo.
   O Dudu se prontificou a tirar a fotografia, mas Andradina segurou o filho.
   -Só faltava essa, o Dudu não sair.
   E agora?
   -Pô, Castelo. Você disse que essa câmara só faltava falar. E não tem nem timer!
   O Castelo impávido. Tinham ciúmes dele. Porque ele tinha um Santana do ano. Porque comprara a câmara num duty free da Europa. Aliás, o apelido dele entre os outros era “Dutifri”, mas ele não sabia.
   -Revezamento – sugeriu alguém – Cada genro bate uma foto em que ele não aparece, e…
   A ideia foi sepultada em protestos. Tinha que ser toda a família reunida em volta da bisa. Foi quando o próprio bisa se ergueu, caminhou decididamente até o Castelo e arrancou a câmara da sua mão.
   -Dá aqui.
   -Mas seu Domício…
   -Vai pra lá e fica quieto.
   -Papai, o senhor tem que sair na foto. Senão não tem sentido!
   -Eu fico implícito – Disse o velho, já com o olho no visor. E antes que houvesse mais protestos, acionou a câmara, tirou a foto e foi dormir.

   Se tem uma coisa que eu falo desde o início dos sete anos que esse blog vai fazer esse ano é como jovem é um bicho insuportável. E a tendência é que quanto mais velho a gente fique, com menos paciência para jovem a gente fique, então o biso tem minha total solidariedade. Ele querendo dormir e esse bando de burros com discussão desnecessária. E pior que dessa vez eu nem tenho outro final para dar, a não ser o Castelo tomando vergonha na cara dele e aprendendo a usar a p#rra da câmera! E aliás, essa já deve ser a realidade do Veríssimo, que já completou seus oitenta e seis anos!

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