Veríssimo no Jornal #04: A Espada



   Hoje voltamos com a nossa série que recupera as antigas histórias do tremendo Luis Fernando Veríssimo, junto com Jenny Lawson e outros, uma das inspirações para esse blog. É nossa forma de ajudar a manter vivo seu trabalho para as novas gerações!

   Uma família de classe média alta. Pai, mulher, um filho de sete anos. É a noite do dia em que o filho fez sete anos. A mãe recolhe os detritos da festa.
   O pai ajuda o filho a guardar os presentes que ganhou dos amigos. Nota que o filho está quieto e sério, mas pensa: "É o cansaço." Afinal ele passou o dia correndo de um lado para o outro, comendo cachorro-quente e sorvete, brincando com os convidados por dentro e por fora da casa. Tem que estar cansado.
   -Quanto presente, hein, filho?
   -É.
   -E esta espada? Mas que beleza! Esta eu não tinha visto!
   -Pai...
   -E como pesa! Parece uma espada de verdade! É de metal, mesmo! Quem foi que deu?
   -Era sobre isso que eu queria falar com você.
   O pai estranha a seriedade do filho. Nunca o viu assim. Nunca viu nenhum garoto de sete anos sério assim. Solene assim. Coisa estranha... O filho tira a espada da mão do pai. Diz:
   -Pai, eu sou Thunder Boy.
   -Thunder Boy?
   -Garoto Trovão.
   -Muito bem, meu filho! Agora vamos pra cama!
   -Espere! Esta espada. Estava escrito. Eu a receberia quando fizesse sete anos!
   O pai se controla para não rir. Pelo menos a leitura de história em quadrinhos está ajudando a gramática do guri. "Eu a receberia..." O guri continua.
   -Hoje ela veio. É um sinal. Devo assumir meu destino. A espada passa a um novo Thunder Boy a cada geração. Tem sido assim desde que ela caiu do céu, no vale sagrado de Bem Tael, há sete mil anos, e foi empunhada por Ramil, o primeiro Garoto Trovão!
   O pai está impressionado. Não reconhece a voz do filho. E a gravidade do seu olhar. Está decidido. Vai cortar as histórias em quadrinhos por uns tempos.
   -Certo, filho! Mas agora vamos...
   -Vou ter que sair de casa. Quero que você explique à mamãe. Vai ser duro para ela. Conto com você para apoiá-la. Diga que estava escrito. Era o meu destino.
   -Nós nunca mais vamos ver você? - pergunta o pai, resolvendo entrar no jogo do filho enquanto o encaminha, sutilmente, para a cama.
   -Claro que sim. A espada do Thunder Boy está a serviço do bem e da justiça. Enquanto vocês forem pessoas boas e justas poderão contar com a minha ajuda.
   -Ainda bem! - diz o pai.
   E não diz mais nada. Porque ve o filho dirigir-se para a janela do seu quarto, e erguer a espada como uma cruz, e gritar para os céus "Ramil!". E ouve um trovão que faz estremecer a casa. E vê a espada iluminar-se e ficar azul. E o seu filho também.
   O pai encontra a mulher na sala. Ela diz:
   -Viu só? Trovoada. Vá entender este tempo. 
   -Quem foi que deu a espada pra ele?
   -Não foi você? Pensei que tivesse sido você!
   -Tenho uma coisa pra te contar!
   -O que é?
   -Senta, primeiro!

   Eu juro que queria demais que o Luis tivesse expandido essa história em livro porque aqui, na intenção de criar uma situação cômica ele cria um universo fantástico que remete de cara a He Man, Caverna do Dragão, Legend of Zelda, entre outras mídias com espadas e heróis famosos! Ele certamente ganhará mais prémios em fantasia se tentar escrever antes de morrer! Aliás, alguém assinaria comigo essa petição? rs
   Agora, mantendo a comicidade que ele esperava para a história, a mãe demora a cair em si, corre para o quarto e vê o parapeito da janela destruído pelo raio que levou o garoto embora. Cai em prantos, sentindo-se uma espécie de Maria da era moderna. E então entende porque o pai dela foi comprar cigarro e nunca mais voltou: O cigarro era a espada e a chama que o ardia era nada mais que o seu trovão da justiça!
   Anos depois a polícia expede um mandado de prisão para os dois por abandono de incapaz e apreende a plantação de alucinógenos ilícitos nos fundos da casa. A criança é encontrada em um abrigo, mas logo depois foi transferida para uma clínica psiquiatrica após enrolar as folhas das plantas que arrancou dos vasos do local e queimar com um isqueiro roubado da cozinha enquanto repetia "Ramil" com a voz trêmula!

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