Ser um homem trabalhando com crianças em uma creche é uma coisa complicada no começo, você enfrenta uns olhares não muito legais de alguns pais, sobretudo algumas mães mas também oferece uma boa vantagens: Você não tem razão alguma para entrar em banheiros de crianças, provavelmente não terá de dar banho em bundinhas meladas de fezes e nem ver crianças seminuas como acontecia com as meninas no dia a dia, o que vamos todos concordar que é uma glória divina!
Um belo dia eu passava pelo refeitório para pegar qualquer coisa no depósito para uma professora quando vejo uma de nossas crianças saindo com a mãe, 4 anos, sem camisa e com os olhos arregalados. Na porta do banheiro, Carla, fula da vida como eu nunca tinha visto, e do banheiro saindo um terrível cheio de podre.
-Quem você matou e há quantas horas? - Perguntei, ao me aproximar.
-Eu não matei ninguém! - Berrou. - Entra e olha o espetáculo!
Tentei. Juro que tentei, mas acho que teria sido mais fácil encarar Shernobyl só de cueca. Na época do desastre.
-Eu acho que a gente vai ter que demolir esse banheiro e fazer outro! O que aconteceu?
-Renato! - O menino que acabou de sair. - Eu tinha acabado de dar banho nele depois de ele sujar a roupa e deixei ele esperando enquanto eu dava banho nos outros! E o que aconteceu? Ele fez de novo! Na roupa trocada! EU SÓ QUERO ENTENDER! COMO É QUE ALGUÉM COME TÃO POUCO E CAGA TANTO? Aquele moleque é um tremendo CANHÃO DE B#STA! É isso que ele é, UM CANHÃO DE B#STA! Eu tô nessa aqui há 16 anos! 16 anos e eu nunca vi algo assim, e ele nem é dos pequenininhos! EU QUERO MORRER, DE PREFERENCIA AQUI MESMO SE FOR PARA PASSAR POR ISSO DE NOVO!
-E piorar esse futum, tá louca?
Pelo jeito, se Carla não matou um ficou perto. O negócio é que a vida de cuidador numa creche não era assim um mar de rosas, as vezes as coisas realmente davam errado, como nesse caso, mas não era um direito descontar nas crianças ou nos pais, porque seria renegar o que assumimos. Ela soltou tudo comigo, o cara que estava dia após dia com ela no mesmo barco afundando ajudando a tirar a água de dentro com copinhos plásticos de café (Gente, essa foi a descrição mais realista do nosso trabalho que já vi, estou bem inspirado hoje!).
No dia seguinte, Carla e eu estávamos perguntando a cada dez minutos ao Renatinho se ele não precisava ir ao banheiro. Sério, depois daquele dia, passava três horas sem ele pedir já dava um certo desespero, e olha que eu nem dava banho!
* * *
-Tudo bem, eu vou lá guardar os brinquedos e depois vocês vão tomar banho! Ivana, me ajuda! - Carla anunciou, já se levantando, depois que eles guardaram os brinquedos na caixa.
Em geral as crianças não ligam para quem vai dar ou deixar de dar banho nelas, não é diferente de nada que eles façam no resto do dia. E penso que foi justamente por isso que, algum tempo depois de elas saírem, um dos garotos, Emílio, cinco anos, se aproximou de mim, sorrindo. Mas ele não só se aproximou, se fosse isso seria uma quinta feira de sol qualquer. Ele se aproximou, me abraçou, se aninhou comigo e quase sentou no meu colo como um bebê, enquanto olhava para mim e dizia:
-Tio, você não vai dar banho na gente?
-Que?
-Eu quero que você me dá banho!
Eu quero saber até hoje porque mulheres não me fazem isso.
-O tio não pode, o tio vai ficar esperando vocês do lado de fora enquanto reflete em como e porque a vida dele chegou nesse ponto!
-Mas eu queria que você me desse banho! - Em tom manhoso.
-Ah, meu anjo, isso é tão bonito da sua parte! - Acarinhei seu cabelo. - Na próxima vez o tio promete que vai pedir a conta, ta bom? - Fiz ele se levantar com delicadeza.
Mas eu vou confessar uma coisa. Meu sonho é encontrar o Emílio daqui uns dez anos numa balada com os amigos e a garota dele só para jogar essa história na cara dele. Apesar de ter um certo medo de ele ainda ser a favor de eu dar banho nele. Ok, deixa para lá, não vou correr esse risco também!
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