A coisa mais legal do trabalho em educação infantil era que, ao contrário da maioria dos outros empregos, a partir do momento em que você colocava os pés na creche, você nunca podia saber o que ia acontecer porque um dia jamais seria igual ao outro, então você entrava sempre com aquela adrenalina: Qual vai ser a criança da vez? E será que vamos terminar o dia com vômito ou urina de criança nas roupas? (Sim, as vezes acontece, sobretudo com os mais pequenos!) Seja como for, o importante é que nunca fosse sangue. O resto você se diverte depois que supera.
-Tio, eu vou ter um filho! - Sorriu o Fabinho ao me ver chegando na creche.
-QUE? - Assustei.
-Eu vou ter um filho!
Não sei o que era mais assustador, se era ele ter essas prioridades assim aos cinco anos ou se era o fato de que pela barriga devia ser ele mesmo que estava gerando a criança. Trouxe ele pela mão para se sentar comigo na mesa do refeitório.
-Primeiro, sua mamãe tem que parar de te trazer mais cedo para o tio poder chegar e tomar o café dele, tá bom?
-Tá! - Sorriu.
Certo, era melhor acreditar dentro de mim que ele não entendeu o que eu disse. Em todo caso, aquela conversa realmente me preocupou um pouco.
-Você não é muito pequeno para ter um filho?
-Não, eu vou ter quando eu crescer! - Sorri.
-Crescer quanto? - Perguntei, desconfiado.
-Muito! - Respondeu, levantando os braços para cima. - Quando eu ficar do seu tamanho!
-Ah, então tá bom! - Respondi, aliviado. - Vai brincar, vai! - Fiz sinal para ele voltar para a caixa de areia lá fora.
-Tá preocupado que ele queira reproduzir? - Ivana se aproximou, provocando como de costume.
-Antes ele que você, meu bem!
* * *
O dia seguiu na tranquilidade (palavra essa que no contexto de uma creche pública só significa que nada explodiu) e não pensei mais naquele garoto. Se bem que invejava aquela auto-estima, admito. Contei para a Carla enquanto olhávamos as crianças na areia, e conversar sobre qualquer coisa nessa hora incluía se interromper a cada três segundos para chamar a atenção de algum deles.
-E aí ele disse... BENÍCIO, LARGA A BEATRIZ OU EU VOU AÍ! Ele disse que ia se casar, mas... QUER FICAR DE CASTIGO, BETO? Ele não é muito novo... JÁ TE CHAMEI A ATENÇÃO HOJE, AMANDA! Não é muito novo para pensar essas coisas?
-Eles são crianças, eu não acho... - CLARA, DEVOLVE O BALDINHO DELE! Não acho que ele pense isso a sério! CARLINHOS! Deve ser tudo uma grande brincadeira para ele!
-Tio! - O Fabinho se aproximou. - Eu vou casar com a Laurinha!
-Ele quer casar com a Laurinha, Carla! - Sussurrei.
-Ah, é? E não vai convidar o seu tio? - Ela entrou na suposta brincadeira dele, me ignorando!
-É mesmo! Você tá convidado, tio! Vai ser amanhã no parquinho! E eu vou tentar beijar ela! - Disse, voltando para a areia em seguida.
-Carla, ele vai casar aqui no parquinho na frente de todo mundo, e vai tentar beijar ela! NO JARDIM DE INFÂNCIA, CARLA!
-Deve ser decepcionante! - Ivana provocou. - Uma de suas crianças beija pessoas e você não!
-Não é como se eu fosse aceitar o seu convite, querida! - Provoquei de volta.
-Quer saber de uma coisa? - Sorriu Carla. - A gente vai entrar nessa brincadeira! Eu vou celebrar esse casamento no canto da caixa de areia!
-Tá falando, sério?
Ela estava falando sério! Se não era sobre dieta, ela estava falando sério!
* * *
Quando eu vi no dia seguinte, Carla realmente estava organizando o casamento de mentira do Fabinho, e ele estava todo feliz. Ela até colocou a caixa de brinquedos de pé para ser o púlpito onde ela celebraria a união e chamou as crianças, avisando da cerimônia.
-Hoje, a gente vai celebrar o casamento de mentirinha do Fabinho com a Laurinha!
-Que? Não, eu não quero casar com ele! - Reclamou.
-Não quer porque? - Questionei. - Fabinho, você não disse...
Aí que a gente se tocou. Ele disse para mim e para a Carla que ele ia se casar com a Laurinha, mas em nenhum momento ele disse o mesmo para a pobre da Laurinha, que não estava nem sabendo da parada.
-Eu não quero casar com o Fabinho, eu quero casar com o Carlinhos! - Disse ela.
-Mas, tio! - Reclamou ele, como que querendo que eu fizesse alguma coisa.
Nesse momento, Carla e eu finalmente passamos a ter a mesma opinião quanto ao que fazer sobre aquilo.
-Quando vocês crescerem, vocês se resolvem!
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