Pequenos Americanos #06: O novo Hóspede - 3 de 5


   Acabei por fazer naquele dia a última coisa que esperava ter que fazer desde que fui contratado e viajei para assumir como Au Pair: Deixar meus dois host kids sozinhos e sem supervisão em casa. Mas as vezes era necessário, sobretudo naquele momento, de emergência. Estava no consultório de um médico. Um mal encarado na faixa de uns quarenta anos e um dos olhos aparentemente cego.
   -Ele é seu sobrinho?
   -Não, não é, eu o conheci hoje cedo. Sou Au Pair de uma família, e ele estava passando o final de semana conosco. Olha, não dá para explicar muita coisa agora, foi tudo muito rápido. Só sei que se chama Nathan Beauford! E não encontrei nenhum documento nas coisas dele!
   -Ele está bem, está no quarto descansando! Vai precisar ficar aqui em observação!
   -E o que ele tem, doutor?
   Ele se levantou devagar, me deu as costas por um instante fitando a parede. Me levantei e o encarei. Ele então voltou-se novamente para mim.
   -Ele fez ressonância e tirou raio X nas últimas duas horas e também pegamos o histórico médico dele para ter certeza. Por ser um caso de emergência e por ele estar com os batimentos irregulares coloquei ele na frente de outros pacientes nos exames, em  regime de urgência. A mãe dele não falou nada?
   -Ele veio sozinho para casa!
   Ele bateu com a mão na testa, como se a gente tivesse feito uma besteira terrível.
   -O que ele estava fazendo antes de desmaiar?
   -Ele estava brincando com um autorama com o meu menino mais novo! Olha, se isso ajuda, quando ele brinca de autorama ele dá cinqüenta voltas no quarto que nem uma barata mal matada acompanhando o carrinho ou remontando a pista! Nathan deve ter feito o mesmo junto com ele!
   -A mãe dele e a sua patroa foram irresponsáveis de não avisar você sobre isso! Nathan... É um cardiopata congênito!

   * * *
   -Posso entrar?
   -Porque?
   Ollie tinha acabado de abrir a porta. Noah estava sentado, segurando o controle do autorama na mão. O olhar um pouco triste no rosto. Não o desmontou, acreditando que Nathan voltaria logo do hospital comigo, o que não aconteceu. A casa ficou mais vazia depois do que houve. Tudo muito rápido, do nada.
   -Não pode ficar aí nesse quarto para sempre!
   -Você estava no seu até agora!
   -Eu estava, mas não podemos esperar o - Disse meu nome. - chegar! Eu vou ver o que dá para fazer no microondas! E quer saber, o Nathan vai ficar bem! Não tem como eu me livrar dele tão cedo!
   -Porque odeia tanto ele? - Se levantou.
   -Eu não odeio ele... Eu só... Não queria ele aqui com você. Ele não é uma pessoa legal como você pensa. Você acha que todo mundo é bonzinho e ninguém nunca vai te machucar, mas vai! Sempre acontece assim! Vem, vem comer alguma coisa!
   Noah se levantou e se aproximou, como se fosse segui-lo mesmo até a cozinha, mas apenas segurou seu braço.
   -Me conta! O que ele te fez?
   -Quer mesmo saber?
   -Quero!
   -Se eu contar... Você para de falar nisso e vem comer alguma coisa?
   -Tá bom!
   -Então vem, eu te conto na cozinha!

   * * *
   -Você é uma caixinha de surpresas, né? Aquele médico estranho falou sobre você! Porque não me disse quando chegou? Ou melhor, porque não disse para o Noah que não podia ficar correndo pelo quarto nem se forçar demais?
   -Achei... Achei que dava conta.
   -Não é assim que funciona.
   Cardiopatia congênita. Significava que o coração dele não se formou direito quando estava na barriga da mãe dele, em resumo. E portanto, não consegue cumprir a função direito e fica muito mais propenso a arritmias e desmaios e não pode forçar com exercícios físicos. Mas esqueceu de tudo isso enquanto brincava com as pistas enormes de autorama do Noah indo de lá para cá acompanhando os carrinhos com ele. Podia ter sido ainda pior se em vez disso tivesse jogado garrafão do lado de fora.
   -Eu sou o Au Pair do Ollie e do Noah, e nesse fim de semana também sou o seu. - Puxei uma cadeira para perto da cama dele. - Então você tinha que me avisar. É assim que funciona entre mim e os meus meninos, e nunca precisei vir ao hospital com nenhum deles, e se precisar, não vai ser assim de emergência, com esse desespero todo. Porque a gente sempre senta e conversa sobre o que é importante, mesmo que seja difícil. Você pode ter uma coisinha ou duas para aprender com os meninos! - Sorri, sem ter ideia da conversa que acontecia na cozinha naquele momento.

   * * *
   -E foi isso. Ele não cumpriu a promessa. E aquilo era importante para mim. E desde então não falei mais com ele, não quis ir na casa dele, ele não veio mais aqui com a senhora Beauford, enfim... Foi isso.
   -E ele nunca...
   -Francamente, vale a pena ouvir? - Sugou o macarrão instantâneo.
   -Eu não sei. Queria que ele tivesse pensado mais.
   -Ele vai te abandonar também quando tiver chance! Quem sabe... Quem sabe não fingiu que passou mal porque não estava mais aguentando fingir que estava gostando de brincar de autorama com você e quis fugir?
   Noah baixou a cabeça e o silencio pairou. As coisas estavam complicadas. O sol se punha lá fora e eu podia ver pela janela do quarto do hospital. Felizmente, já tinha conseguido ligar para a Christine, que por sua vez já devia ter ligado para a mãe do Nathan e ela já devia estar a caminho do hospital, e assim, eu logo poderia voltar para os meninos. Mas, em um hospital, as horas nunca passam. Mas Nathan pelo menos parecia melhor e já estava bem menos pálido. Mas, o final de semana ainda estava longe de acabar.

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