Deixei o Nathan brincando com o Noah no quarto com o autorama. Sentindo uma certa invejinha, admito. O autorama do Noah era composto de peças de pelo menos uns cinco autoramas diferentes que ele juntou numa pista só, gigante. Marcus não economizava pelo amor dos filhos. Não que fosse exatamente isso que eles queriam.
Então fui lavar a louça e fazer outras coisas na casa. O programa de Au Pairs já avisava desde a inscrição que entraríamos na divisão de tarefas das famílias que nos contratassem. Apenas ninguém avisou que a divisão seria tão desleal para o nosso lado, mas como já estava acostumado a fazer as coisas além de cuidar das crianças quando trabalha no apartamento cuidando do Pete, então isso era de longe o que menos incomodava. Tive sorte por uma hora ou duas, mas como a ansiedade começasse a atacar enquanto pensava no que aconteceu mais cedo. Felizmente, Sertralina era bem mais barata nos EUA quando eu precisava.
Mas naquele dia tinha esquecido de tomar, então subi as pressas para o meu quarto com o copo de água na mão, abri a gaveta e tomei. Em seguida, larguei o copo ali mesmo e fui para o quarto do Ollie, de onde não saía há algumas horas. Enquanto isso podia ouvir os risos de Noah, no andar de baixo, dali. Bati na porta.
-Entre. - Disse, sem vontade.
Criamos um código alguns dias depois que eu cheguei. Ele não gostava que Noah entrasse em seu quarto e mexesse nas suas coisas. Então, sempre que precisava falar com ele e ele estava recluso ali, eu batia uma vez, depois mais uma, depois três, depois mais uma, então ele sempre sabia quando era eu. Era nosso segredo. Era uma maneira de abrir concessões e ao mesmo tempo ganhar sua confiança. Abri a porta. Entrei e me sentei perto dele, sem dizer mais nada. Estava lendo sobre a cama. Uma revista em quadrinhos qualquer nas mãos.
-Não vai perguntar?
-Não! - Sorri.
Não precisava. O remédio já começava a fazer efeito. Na verdade até um pouco placebo, porque não era tão rápido assim que funcionada, mas, seja como for, eu já estava pensando um pouco melhor. Ele ficou me encarando por alguns instantes.
-Você... Tá ouvindo?
-Sim, sua casa tem uma péssima acústica. De madrugada ouço os ratos quando vou na cozinha. É sinistro! - Ri.
-A gente tem um rato enorme nessa casa agora que está deixando o Noah doente e você deixou ele entrar!
-Sua mãe deixou, eu sou só um assalariado, cara!
-Você não vai perguntar mesmo?
-Não!
-Não mesmo?
-Não, cara!
Mais alguns segundos de silencio. Eu sabia que ele não ia aguentar. Era um adolescente afinal de contas.
-Ele me enlouquece. Quando a gente era mais novo eu e minha mãe íamos direto na casa da Marie e a gente brincava juntos direto. Mas a gente cresceu e se afastou, e ele ficou um bom tempo sem vir aqui. E quando voltou, ele era assim.
Então, ficou em silencio olhando para mim por alguns segundos.
-Não vai perguntar "Assim como?"?
-Não! - Sorri. - Não vou perguntar nada, você é que tem que dizer se achar que deve! Está caminhando para se tornar um homem, Oliver, e não posso lidar com seus sentimentos por você, apenas aconselhar, mas depende de você querer falar! E então, o que vai fazer?
-Você perguntou!
Filho de uma égua, me pegou.
-Certo, certo, não vou dizer mais nada!
Então, apenas o trouxe para mim e o abracei brevemente.
-Você cresceu! Cresceu mesmo! - Suspirei. - Mas e agora?
-É o Noah. Ele vai fazer a mesma coisa com o Noah. A mesma coisa que fez comigo. Talvez não hoje, não amanhã. Mas logo. Eu sei, você não vai perguntar o que. Acho que é melhor.
-Se você pode ouvir, sabe que o Noah está se divertindo! Pelo menos fique feliz por ele! - Me levantei.
Acho que eu conseguiria mais informação sem perguntar nada do próprio Nathan, mas, para isso, teria que tira-lo do Noah. E estava lançado enfim o grande desafio. Enquanto isso, no andar debaixo:
-Haha, ok, muito legal! Mas eu preciso sair um minutinho para ir ao banheiro!
-Tá bom! - Sorriu. - Eu vou desmontar enquanto isso e fazer outra pista!
-É hoje que a gente corre até acabar essas pilhas! - Sorriu.
Assim, Nathan deixou o quarto. Mas mentiu, pois tomou o corredor para a cozinha. Dez minutos depois, eu o encontraria desmaiado atrás do balcão. E aí sim as coisas iam começar a ficar difíceis.
Continua...
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