Foi por esses dias que voltei de um compromisso para casa, e ele como sempre dormia no primeiro lugar aleatório que havia encontrado. No caso, a mesa da cozinha. Mas a surpresa de verdade nesse dia veio na sala. Sangrava no sofá a cabeça de um passarinho qualquer, decapitada.
-Mas o que é isso? - Berrei.
Ele veio correndo para a sala para ver o que tinha acontecido, logo percebendo e tomando o olhar mais cara de pau que já tinha visto.
-Você não caça! - Desdenhou. - Ia morrer de fome sem mim!
-Eu não como isso!
-Humano fresco!
-E-eu não sou fresco! Mas eu não posso comer isso! É um pássaro morto! - Logo em seguida me lembrei que frangos de padaria e carnes de açougue também são animais mortos, logo, isso com certeza não era um argumento. - Olha, eu aprecio o gesto, é muito legal e carinhoso da sua parte! Mas você tem sua ração e eu tenho minha comida, nenhum de nós dois precisamos disso!
Fui pegar uma sacolinha para tirar o bicho morto dali, logo voltei com ela e a pásinha.
-Vai fazer essa desfeita? Você tem idéia de que eu tive de saltar em um fio de poste para pegar ele e quase tomei choque?
Eu tinha certeza de que era mentira. Ele era preguiçoso demais para isso. Certamente o pobre passarinho tinha dado bandeira (tipo, muita bandeira mesmo) em algum lugar baixo do quintal. Mas aquela altura nem vinha ao caso. Com o passarinho armazenado na sacolinha e devidamente enterrado no quintal, voltei para tirar a capa do sofá e colocar para ser lavada. Ele ainda me olhava com um terrível olhar de reprovação.
-Eu sei que foi um "eu te amo" ta legal? Mas a gente não é tão igual assim para eu gostar de tudo o que você gosta!
-Dá próxima vez eu trago vivo! - Retrucou.
Eu sabia muito bem o que isso significava. Me aproximei dele e lhe fiz um carinho no alto da cabeça.
-Eu também te amo, ta bom assim?
Ele ronronou por um instante.
-Tudo bem, eu perdôo você, mas só dessa vez!
Levantou-se e saiu com o queixo e o rabo para cima, como era típico do seu jeito felino e metrossexual e me deixou ali, pensando naquilo. Eu tinha de admitir, no fundo aquela cabeça que ele decepou sanguinariamente nos dentes e que já cheirava mal para caramba além de estar sangrando no meu sofá até que era bonitinha. Se eu realmente fosse como ele e não me importasse com a alma do bichinho até que talvez desse um chaveiro bonito. Mas também, eu não podia incentivá-lo. Sabe deus que bicho ele ia querer trazer depois. Tem que haver limites para tudo. Até para o amor!
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*Só para vocês verem como aconteceu de verdade, segue uma foto da cabeça de passarinho real que ele deixou no meu sofá. Com um blursinho para o caso de você, leitor, ser uma criança:
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