Pete e o Teatro - Pete #14


   A escolinha do Pete uma vez teve a infeliz ideia de encenar uma peça simples de reinos, princesas e dragões no final do ano. Típico daquelas professoras que não fizeram quase nada o ano inteiro mas querem deixar uma boa lembrança na mente dos pais. E no fundo todos eles sabem que a verdade é essa.
   E Pete foi escolhido para ser o príncipe que ficaria com a princesa no final e a salvaria do dragão. Eu sei, já não tinha cara de que ia dar boa coisa mesmo, mas a Raquel adorou a ideia de o menininho dela ser a estrela do show, e aí, eu tive de deixar rolar. Além disso, Pete estava empolgado em participar de algo assim, e, bem, era a despedida dele da creche. No ano seguinte teria que ir para outra escolinha.
   Fizemos tudo certo. Ele ensaiava na escola com as roupas normais enquanto a professora ficou de providenciar a roupinha de príncipe a tempo da apresentação, dali a duas semanas.
   Quando tinha chegado o dia foi uma sucessão de coisas dando errado. Uma das menininhas teve que ser substituída em cima da hora, por exemplo, e o ar condicionado do teatro bem no dia anterior parou de funcionar e o lugar estava mais quente do que de costume. E imaginem que a peça ia acontecer no horário de aula das crianças, portanto, no meio da tarde e não tinha como mudar o horário e nem cancelar em cima da hora, conforme a professora explicou depois, por causa do preço do aluguel do teatro. E por ser no meio da tarde no horário de aulas quem é que tinha de ir assistir o Pete? Eu. A Raquel me deu a câmera dela e me fez prometer filmar tudo, e até negociei um lugar na frente com um pai por conta disso.
   A peça começou. As crianças estavam muito bonitas e era visível como tinham ensaiado de verdade, apesar de um engasgo ou outro na fala. E Pete então foi mandado para o norte para enfrentar o dragão e ganhar a mão da princesa.
   O problema é que a falta do ar condicionado ali realmente estava castigando, e bem, eu não era o único que sentia isso. Naquele momento, Pete enfrentava o dragão, e estavam na fase da troca de ofensas antes do embate.
   -Você é malvado! Não pode trancar a princesa assim!
   -Ela é minha princesa para sempre e você não vai leva-la!
   -Pera aí, Lucas!
   Ele simplesmente parou toda a peça, largou a espadinha de madeira no chão e começou a tirar a roupa de príncipe ali mesmo.
   -Pete! - Dei um berro, largando a câmera.
   -Se ele pode eu também posso! - Resmungou o dragãozinho, imediatamente também tirando a fantasia e a roupa.
   -Nem pense nisso, Letícia! - Um homem berrou para a princesa na torre.
   Subi no palco num pulo antes que ele chegasse na cuequinha, e comecei a vesti-lo novamente.
   -Me desculpe a intromissão, vossa alteza, mas não pode enfrentar o dragão sem suas vestes reais, ou ele vai queimar você e fazer você virar churrasquinho! - Expliquei, enquanto outra pessoa vestia o menino dragão.
   -Mas tá muito quente! - Reclamou.
   -Porque o dragão fica soltando fogo, aí fica quente mesmo! - Em seguida, sussurrando. - Vai, tá quase acabando!
   Assim, a peça terminou sem maiores problemas. Maiores que esse. É claro que nada seria mais lembrado dessa turma que os dois nudistinhas da peça. Agora, a Raquel quase surtou com o vídeo do filho dela de seis anos tirando a roupa em público daquela forma. O site da escola não quis publicar as fotos ou mencionar essa parte. Só quem estava presente quase ter visto coisas que não poderiam jamais ser desvistas era mais que o suficiente. Boatos de que a escola começou a investir em educação sexual no ano seguinte. E o teatro em ar condicionados. Não confirmo nenhum dos dois.
   E, claro, sorte a do Shakespeare nunca ter tido um Pete em suas peças!
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