Sobre a Psicóloga, Esquilos e Pinguins


   Eu frequentei psicologa por cinco longos anos da minha adolescência. Tenho certeza de que não foi bom para ela, porque quando lhe disse que tinha planos de me formar nessa área, ela imediatamente começou a tentar me convencer a fazer outra coisa. O que provavelmente queria dizer que eu era um excelente paciente.
   Eu lembro que nós só paramos porque a instituição que me atendia só podia receber adolescentes até os dezoito anos, o que talvez signifique que eu não me curei e que continuo meio maluco. Quem sabe.
   Não me lembro das nossas conversas, e também não direi o nome da minha psicóloga porque não quero afundar a carreira e a reputação dela. Ninguém se arriscaria a se trancar numa sala por cinquenta minutos com qualquer um que tivesse feito isso comigo por cinco anos. Mas se fosse hoje, imagino que seria algo assim, depois que, por exemplo, ela perguntasse sobre meus medos de infância:
   -Deixa eu ver se eu entendi. Você tinha medo que esquilos invadissem seu quarto de madrugada?
   -Doutora, eu não tenho nozes. Ninguém em casa tem. Porque esquilos teriam que estar lá?
   -Porque esquilos estariam soltos no meio da cidade para começar?
   -Doutora, depois de vinte anos de profissão você resolveu advogar para esquilos?
   -A menos que você esteja tentando me fazer te indicar remédios eu realmente não entendi a razão dessa conversa!
   -Tá, que seja. O ponto é que eu queria dormir vestido de esquilo, porque se os esquilos achassem que eu sou um deles hibernando, eles iriam logo embora! Quer dizer, esquilos não são antiéticos o suficiente para atrapalhar a hibernação do coleguinha, não é?
   Nesse passo imagino que na próxima sessão estaríamos falando mais da minha infância, e apesar da tentação de me indicar remédios, ela estaria curiosa com meus medos e idéias irracionais sobre o mundo.
   -E aí eu olho para mim hoje - Eu diria. - E percebo que me tornei o que eu menos esperava: Um pinguim. Um ser pequeno, desengonçado, que não anda direito, vive esbarrando nos outros e caindo dos lugares e prefere o frio. E ninguém gosta deles. Eles sofrem bullying das outras aves.
   -...
   -Faz refletir sobre a vida, né?
   -Quer dizer que você se sente desvalorizado?
   -Até descobrirem que dá para fazer alguma coisa com óleo de gordura pinguinesca!
   Sim, eu inventei essa palavra. E eu me orgulho dela. Acho ela muito pinguinesca inclusive.
   Na época em que fazia as sessões, criei o termo "sorriso de psicóloga" que é basicamente a cara que minha psicóloga fazia quando queria que eu me sentisse melhor, mas no fundo, qualquer coisa no rosto dela fazia parecer que ela queria sair dali imediatamente e socar alguma coisa. Tivemos vários momentos desses. O que na verdade explica em parte porque ela me desaconselhou a seguir a carreira em psicologia. Não mencionei que eu queria ir para a mesma universidade onde ela dava aula, né?
   Bem, o negócio é que ainda tenho uma pontinha de medo de esquilos noturnos, mas não penso mais nisso. É claro que a janela do meu quarto segue fechada, e a casa sem qualquer coisa que cheire relativamente próximo a nozes. Eu ainda não consegui comprar a fantasia. Acho que deu para notar.
   E o lance do pinguim também. Acho que minha escrita ainda é muito pinguinesca.

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