Pete e a Louça - Pete #10


   Já ia para uns três anos que eu cuidava do Pete no apartamento para os pais dele. Ele já tinha sete anos, e como passava as tardes comigo no apartamento depois da escolinha até o pai dele chegar, achei que podia ensina-lo a ajudar nas tarefas. E nessa idade ele já podia fazer algumas coisas básicas para ajudar em casa. Como educador, e um bom seguidor de Maria Montessori (médica, educadora e pesquisadora italiana do início do século XX) achei que seria interessante começar a aplicar com Pete a famosa Tabela de Montessori, que basicamente, é uma tabela que diz como as crianças podem ajudar nas tarefas nos diferentes períodos de crescimento. Então comecei pela louça.
   Depois de lavar toda a louça que ele não podia enquanto ele assistia um desenho qualquer na sala, como facas e copos de vidro (porque eu também não sou louco), chamei o Pete e coloquei um banquinho no chão para ele alcançar a pia. Mostrei a ele a louça.
   -Alguém tem que lavar!
   Nessas horas eu confirmava dentro de mim que o contrário do amor realmente não era o ódio.
   -Eu sei que alguém tem que lavar! - Sorri e falei, com delicadeza. - Mas a sua mãe e o seu pai vão chegar cansados, então, não seria legal eles encontrarem uma casa limpinha e arrumadinha para eles?
   -Mas eles já tem essa!
   Não era o ódio. Não mesmo.
   -Eu quero dizer que sua mamãe e seu papai vão ficar felizes se você começar a ajudar eles com as coisas da casa, entendeu?
   -Ah, tá bom!
   -Certo, veja o que vou fazer! - Peguei a bucha e coloquei um pouquinho de detergente nela. Montessori sempre ressaltava a importância de sermos o melhor modelo para os pequenos, então comecei a fazer tudo enquanto falava. - Você pega uma louça e esfrega assim até ela ficar cheia de espuma, e depois abre a torneira e lava ela, e pronto, aí é só deixar ela debaixo da água um pouco e deixar para secar!
   -Tá bom, eu posso tentar?
   -É claro! Vamos ver como você se sai!
   Com alguma dificuldade para saber como segurar essa ou aquela louça enquanto lavava, para minha alegria, ele pegou rapidamente o jeito. Enquanto os primos dele provavelmente só cresceriam sabendo manipular brinquedos, videogames e as partes, Pete, graças a mim, teria autonomia e saberia cuidar de si mesmo! Dava até muito orgulho! E foi tudo bem no primeiro dia com a devida supervisão, e no segundo, sem supervisão, e eu estava maravilhado como ele aprendeu rápido a lavar louças simples, tanto que ensinei outras tarefas nos dias seguintes, como pôr a mesa do almoço depois que chegávamos da escolinha e tomar banho sozinho, e comecei a pegar cada vez mais leve em supervisioná-lo.
   -Lava a louça para o tio e banho, tá bom? - Pedi certo dia, observando o relógio. Eu tinha de deixa-lo já pronto para jantar com os pais naquele dia quando eles chegassem.
   -Tá! - Sorriu, indo para a cozinha.
   O negócio é que, além de isso ser de uma enorme valia para o desenvolvimento do Pete, também me daria alguma folga para me sentar e relaxar, e foi o que me joguei no sofá para fazer. Abri as notificações do celular, tinha um episódio novo da minha série. Joguei para exibir na televisão, disposto a ver só o comecinho. Quando vi, os créditos já corriam na tela, e era daquelas séries que cada episódio era quase um filme.
   Ao lembrar do Pete dei um salto do sofá. Segundo o relógio o Maurício ia chegar logo. Comecei a procurar ele no apartamento em todo lugar, até que passei pelo banheiro. Imaginem isso: Pete enrolado na toalha na frente da porta, e atrás do vidro embaçado pelo vapor de água no box... Toda a louça que mandei ele lavar. Lavada.
   -P-p-p-pete!
   -Agora é só levar na cozinha para secar!
   Eu estava em ponto de arrancar os cabelos: Ele só teve a infeliz ideia de fazer tudo o que eu pedi ao mesmo tempo. E não se tocou do quanto isso seria no mínimo nojento, e pior parte é que não dava mais tempo de lavar tudo de novo antes de o Maurício chegar. E eu não teria coragem de contar isso para os pais do Pete e deixar nós dois encrencados.
   -Pelo amor de Deus, vai jantar fora, Maurício, eu to implorando!
   Bem, para encerrar queria dizer três coisas sobre essa história. A primeira é que me disseram que um dia eu vou rir muito de tudo isso. Esse dia até hoje não chegou. A segunda é que realmente, o contrário do amor não tem como ser o ódio. E a terceira é que se Montessori tivesse conhecido o Pete ela teria ficado só na medicina mesmo.
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   Ps: As referências desse texto são bem reais, e para quem também tiver interesse em sofrer como um condenado, segue um link para a tabela Montessori.

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