Eu nunca tinha parado para pensar de que maneira o Pete deveria entender questões de gênero, tipo aquela história de que azul é para meninos e rosa é para meninas e por aí vai. Mas é claro que um dia chegaria o momento em que eu teria que saber.
As vezes a Marina, uma prima da mesma idade, filha da irmã do Maurício aparecia nos finais de semana no apartamento para brincar com ele. Mas quando eu cheguei em uma bela segunda feira de manhã para pegar o Pete, percebi que a Marina tinha esquecido a boneca dela por lá, no sofá do apartamento. Era daquelas bonecas com olhos de vidro e vestidinho de tecido vagabundo mas com cara de bonito que imitavam um bebê. Era o começo dos meus problemas.
Da mesma forma, eu também nunca tinha me perguntado o que o Maurício e a Raquel achariam dessas questões. Até onde eu soubesse, Pete tinha roupas de todas as cores e todos os tipos de brinquedos, porque essas eram coisas que ele podia escolher. Eu ensinei o Maurício a manipular o Pete deixando ele pensar que está no controle. Por exemplo, pergunto a ele se quer usar o sapato azul ou o branco na festa: O que quer que ele escolha já o terei convencido a ir a festa e ainda usando sapatos! Rs E geralmente funciona!
Quando trouxe o Pete da creche, ele viu logo de cara a boneca, e curioso como era, começou a perguntar.
-Você estava brincando de boneca, tio?
-Eu não! - Ri. - A Marina esqueceu! Por que você não guarda-la para ela vir pegar no próximo fim de semana, quando vier brincar com você?
-Tá bom!
O grande lance é que ele foi para o quarto e ficou por lá mesmo. Aproveitei para fazer as coisas que precisava e adiantar um pouco. Varri o chão, lavei a louça do apartamento (e por Deus, como é que três pessoas sujavam tanta louça em tão pouco tempo? Tinha um Everest de louça suja naquela pia!) e outras coisas. Mas é claro que depois de um tempo o silêncio começa a incomodar e a gente começa a se perguntar se a criança morreu. Porque crianças de seis anos definitivamente não são silenciosas assim.
Fui pé ante pé até o quarto para não incomodar o que quer que ele estivesse fazendo. Se ele tivesse dez ou onze anos eu provavelmente não faria isso, mas aos seis anos acho que não tinha esse risco.
Então me aproximei e abri devagar a porta do quarto. E a visão era no mínimo inesperada.
Pete estava com a boneca em seu colo dando de mamar com uma mamadeirinha de brinquedo para ela, exatamente como deve ter visto a Marina fazendo no final de semana. Gelei completamente. Se o Maurício visse aquilo...
*Som de porta abrindo*
Murphy maldito! Eu conhecia até pelo padrão despreocupado de abrir a porta! Era o Maurício que deve ter saído mais cedo da empresa! Ele não podia ver aquilo ou talvez fosse me demitir, se fosse desses pais! Tratei de fechar a porta atrás de mim.
-Oi, deu tudo certo com o Pete? Eu estava meio mal com alguma coisa que comi no almoço e pedi para sair mais cedo!
-Eu sei que é mentira!
-Dá um desconto, é segunda feira! - Riu-se. - O Pedrinho está aí?
-S-sim, mas você não pode ver! P-porque... Porque é uma surpresa para você!
Ele olhou sério para mim.
-É o meu filho! - Resmungou, me chamando pelo nome. - O que está acontecendo? O que você fez?
-E-eu não fiz nada! - Protestei. - Olha, eu lavei sua louça! Porque não vai na cozinha ver que coisa linda? Tudo brilhando! A Raquel pode usar aquelas panelas de espelho para retocar a maquiagem se ela quiser!
Me chamou novamente pelo nome.
-Olha só, Maurício, vamos encarar a realidade. O Pedrinho está bem, e eu tenho uma boa razão para que você não entre! Antes de eu trabalhar para você, somos amigos, não somos?
-Sim, somos!
Me afastei da porta, dando espaço para ele.
-Pense bem, Maurício. Se você abrir essa porta, estará destruindo a nossa relação. Se algo realmente tiver acontecido com o Pedrinho, eu serei indigno de cuidar dele ou ter qualquer relação com você! Estará tudo acabado entre nós! E se não tiver acontecido nada, nunca mais poderei viver com tamanha desilusão de você ter desconfiado de mim, irei embora e nunca mais poderei sorrir de novo! Ainda assim, Maurício, fará essa crueldade? - Tentei forçar uma expressão bem triste. - Abrirá essa porta e colocará em jogo tudo o que temos entre nós?
-Olha só, eu gosto de você e tudo mais, mas é a minha família!
E ele abriu a porta. Até fechei os olhos, sem coragem de ver a reação dele. E a voz dele chegou de repente nos meus ouvidos como um raio.
-Mas olha se não é o papai mais fofo que eu já vi!
Surpreso, abro os olhos. Maurício está abraçando Pete e a boneca ao mesmo tempo. Em seguida olha para mim. Certamente vendo a maior cara de tacho da história.
-Esse era o problema? Ele costuma brincar de papai e mamãe com a Marina! - Riu-se. - Fora que ele vê como você cuida dele! - Riu-se. - E aí? Eu quebrei seu coração? - Zombou.
-Um pouquinho! - Murmurei, sem saber onde pôr a cara. - Até amanhã!
Ok, eu claramente não ganhava o suficiente pelo que meu coração aguentava ali!
* * *
E o blog volta a partir de hoje em sua terceira temporada com crônicas novas todas as segundas e sextas feiras, e acho que ninguém melhor para marcar esse retorno depois de mais de dois meses de hiato que o Pete, o mascotinho do blog! Não deixem de nos acompanhar!
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