A coisa começou a ficar estranha quando ele aprendeu a escrever e começou a consumir todos os livros que via pela frente. Assim, realmente tinha algumas literaturas com mais finesse em casa, mas a coisa foi ficando ridícula quando ele pegou, digamos, uns dez anos. Um dia, o pai escuta som de plástico na cozinha.
-O que você tá fazendo, filho? - Grita, do quarto.
-Quebrando as barreiras que antes me impediam de desfrutar dos gostos, prazeres e liberdades que nos condicionam ao êxtase temporário da vida!
Levantou-se da cama imediatamente imaginando que algum tipo de emergência estivesse acontecendo e se surpreende ao ver que o garoto apenas tentava abrir um pacote de salgadinho. E não parou por aí.
Outro dia desses ao dar uma carona para o garoto, perguntou a ele como foi a escola hoje.
-Certamente um exercício inenarrável de conhecimento impactante porém desservido pela ausência de recursos.
Basicamente ele tinha gostado da aula, mas teria sido melhor se a professora não tivesse esquecido de trazer materiais para todos e manda-los se reunir em duplas, o que de fato ele detestava até a alma.
O problema de tudo isso é que o pai precisava estar com ele o tempo todo para traduzi-lo, visto que nem todo mundo próximo da criança era leitor de Shakespeare, Victor Hugo ou qualquer escritor antigo que os valha.
Então, com ele crescido, já nos seus doze anos, a vida se tornou isso. De vez em quando precisava aparecer na sua escola para traduzir as respostas de suas provas, redações, e por aí vai. A coisa que ninguém esperava é que uma linguagem tão rebuscada pudesse atrapalhar tanto. Um dia a mãe até se extressou.
-Não dá para responder só "foi bom" ou "foi ruim", droga?
-Anh... "Foi bom"?
-Isso não! Eu quero dizer... Deixa para lá!
-Me tergiverso a esse respeito, querida genetriz!
E quanto mais velho ficava, piorava. Perdeu amigos. Em adulto casou-se, mas se separou. Mulher alguma espera ouvir "Vou lhe copular com demasiado arroubo!" na hora do sexo. Terminou solteiro e infeliz em um apartamento. Ou melhor, inupto e merencório. Só para não perder o costume.
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