Morte #01: O Inconformado


   Ele estava caminhando na rua enquanto olhava para o celular. É quando ouve um som alto de pneu derrapando na pista. Quando o carro está a centímetros dele, o tempo para. Tudo se petrifica a sua volta e qualquer som desaparece, deixando um silêncio quase insuportável. Alguém então se aproxima. Um ser todo alto e todo vestido de preto com uma foice. O encara. Ele está lúcido e aparentemente, pode ver tudo em seu redor, inclusive a expressão de medo no rapaz que está prestes atropelá-lo e até mesmo as crianças no banco de trás no carro.
   -Pedro, boa tarde. - Diz o ser. - Sou eu, a Morte.
   -O-o que é isso? Que tipo de truque é esse? - Reclama.
   -Não há truque. Esse é o momento em que você morre, Pedro. É o ponto em que sua vida termina. Por sinal, que vidinha patética você teve.
   Ele ainda tenta usar o celular, mas está travado, como tudo o mais. Só então se convence de que tudo o que está acontecendo ali é de verdade e é antinatural. Ou isso ou a cidade inteira escolheu trollar ele. Mas isso não faz sentido. Ele nem de longe é popular o suficiente nem para festa surpresa se fosse seu aniversário. Só resta admitir que realmente, algo fora do normal estava acontecendo. Ele realmente estava prestes a morrer.
   -Ok, Pedro, podemos ir?
   -Ah, é uma escolha? Então eu realmente prefiro que não!
   -Pedro, eu sei que você tem problemas com o jeito imbecil como está morrendo e que você queria pelo menos terminar a faculdade, que os últimos três anos foram bem m#rdas, queria ter se desculpado com a sua mãe pela última vez em que chegou bêbado em casa, e claro, queria perder a virgindade com alguém. - Diz, enquanto lê um bloco de anotações que tirou do bolso. - Que autoestima é essa, Pedro? Você nem tem ambições sexuais, o que aparecer contendo vagina você está disposto! Realmente, não vale a pena ficar aqui! Não para você!
   -O-o que quer dizer?
   -Pedro, que conquistas você tem na sua vida?
   -Eu só tenho 21 anos!
   -Esse é o problema, Pedro! Essa é a única coisa que você conquistou na sua vida! 21 anos! O que quer para vir comigo? Um contrato para assinar? Com assinatura, rubrica e reconhecimento em cartório? Vamos logo, estamos atrasados!
   -Eu não marquei com ninguém!
   -Ninguém marca, Pedro! É por isso que existe essa vaga para mim!
   -Eu tenho mesmo que...
   -Car#lho, Pedro! O que mais você quer fazer aqui? O que você acha que ainda pode resolver dessa sua vida ridícula? Meu conselho para você: Quanto mais mexer, mais vai feder!
   -Você diz isso para todo mundo!
   -Desde quando você me conhece, Pedro? Quantas vezes você me viu na sua vida? Quantas vezes me viu levando outra pessoa? Você não sabe o que eu falo para as outras pessoas, ninguém sabe porque todo mundo só me vê uma vez na vida, Pedro! Eu digo para o seu bem, a hora da sua morte não foi tirada no palitinho! É para ser agora!
   -Eu posso...
   -Não, nada de avisar no Facebook! E nem 3g você tem, estava jogando joguinho quando eu cheguei! E não vai se despedir de ninguém também! Você não tem direito a nada e tudo que disser vai ser completamente ignorado! Mais alguma coisa a dizer, Pedro?
   -Eu... Vou para o céu?
   -Nessa parte eu não tenho responsabilidade. Mas considerando a vida que você teve... - Coloca a foice suavemente em seu pescoço. - Pelo seu bem eu vou contar só no caminho e bem devagar.

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   Eu tive por esses dias uma ideia para uma nova série de crônicas no blog. Pensando bem, acho que ninguém deve ter um emprego mais ingrato e que menos vale a pena que o que deve ser o da própria morte, ao vir buscar as pessoas desse mundo. Porque, francamente, o que eu mais tenho percebido depois de me tornar adulto é como viver nesse mundo definitivamente não é para iniciantes e nem para menores de dezoito!

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