O Usurpador


   Me abordou certo dia quando saía de um estabelecimento no centro da cidade. Era um senhor, grisalho, parecendo ter talvez próximo de sessenta anos. Parecia evidentemente preocupado comigo e eu mal conseguia saber porque. Além disso tinha certa pressa de pegar logo o ônibus e ir para casa, mas achei que deveria escutá-lo.
   -Você não é o Tiago, que era nosso atacante? Lembra de mim? Eusébio, o técnico? Faz mais de um ano que você largou o time, e puxa vida, você gostava tanto, o que foi que aconteceu?
   Qualquer pessoa normal, no exercício de sua plena consciência social teria desfeito a confusão e dito que nem se chamava Tiago e nem sequer gostava de futebol, e portanto, estava havendo ali um engano inacreditável. E, em situações normais eu realmente faria isso. Mas, olhando para o semblante do velho, me deu uma pena terrível daquele homem. Olhando em seus olhos, parece que tinha uma relação boa com esse Tiago, gostava bastante dele, como um neto talvez e certamente sentia muita falta dos tempos do futebol. Ele parecia tão feliz em ter encontrado o tal "Tiago" depois de tanto tempo, que eu simplesmente não tive coragem de destruir aquele sorriso no rosto dele.
   -Eu realmente devo desculpas ao senhor pelo jeito como eu saí do time, assim sem avisar!
   -Todo mundo ficou preocupado, Tiago! Você começou a perder o seu jogo do nada, e aí chegou um dia que você não apareceu mais! Todo mundo ficou preocupado, mas você não deu mais notícia!
   -Eu realmente precisei me afastar, seu Eusébio! Naquela época minha mãezinha começou a ficar doente, e aí eu não tinha mais como me concentrar, entende? Deixava ela em casa todo dia com medo de ela ter uma piora, quem pode se concentrar assim? - Juro que dei o meu melhor como ator para soar convincente.
   -E ela está bem?
   -Agora está um pouco melhor, seu Eusébio!
   -Então volta a jogar com a gente! Eu converso lá, a gente dá um jeito de você entrar e...
   -Me desculpe, seu Eusébio, mas nesse momento é um pouco complicado! - Me lembrei que estávamos no final do ano. - Eu prometo que ligo para o senhor no ano que vem e a gente começa a conversar, tudo bem? Olha, foi muito bom reencontrar o senhor, de verdade, mas eu tenho um pouquinho de pressa! Eu vou te ligar, tá bom? Até mais, seu Eusébio!
   Dei um aperto em sua mão e o deixei na porta do lugar até satisfeito. Seu Eusébio provavelmente nunca mais veria o tal Tiago, pelo que descreveu, então era bom ele pensar que o garoto largou o time por razões mais humanistas do que a realidade devia ser. E, bem, o pior que pode acontecer é o tal Tiago voltar e revelar a farsa toda para o velho. Mas aí ele não vai se preocupar, porque terá o tal Tiago de volta.

   Mas, qualquer coisa não fui eu que escrevi esse texto. Foi o Tiago.

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