Uma certa vez, há pouco mais de um ano minha mãe e eu fomos abordados por uma pessoa em um lugar público oferecendo a assinatura de revistas de uma grande editora do país, por um preço que juravam que era aceitável. Só juravam mesmo.
Mas eu me interessei por uma revista mensal de educação para pais, ou assim prometia que ia ser. Evidente que eu não sabia e fui seco achando que ia receber altas atualizações das descobertas e pesquisas da minha área, textos de especialistas e por aí vai. Mas, quando eu comecei a receber, eu percebi que quem escreve aquela revista vive em um mundo totalmente a parte da realidade, mais especificamente, é para aqueles pais residentes de condomínios, apartamentos e imóveis caros. Aquela mãe clássica, que diz que o filho não é todo mundo, obriga o filho a sair com o casaco mesmo fazendo quarenta graus, que coloca a cinta no canto da mesa quando a criança não quer comer, enfim, a autêntica mãe de pobre jamais vai se identificar com aquilo!
Primeiro, eu não tenho lembrança de quase nenhuma criança negra nem na capa e nem no meio da revista em um ano recebendo (mas deve ter tido umas duas ou três). É como se crianças negras nem fossem maioria onde a revista é distribuída. Mas agora vem o que é engraçado demais: Em uma das edições recentes, tem na capa o chamariz:
"VAI DAR CERTO! Histórias de quem passou pela adaptação escolar com sucesso!".
Para quem não sabe, adaptação escolar é quando você matricula numa creche uma criança pela primeira vez, e aí, precisa de todo um processo de adaptação para ela ficar bem sem os pais. O que é engraçado, porque eles fazem parecer que é uma verdadeira guerra fazer isso quando na verdade é bastante banal e dificilmente é uma grande dificuldade. Aí eu fiquei imaginando como seria se a revista saísse, digamos, na Síria:
"VAI DAR CERTO! Histórias de quem passou pelo tiroteio na hora do lanche com sucesso!"
Outra coisa que é muito sem sentido, quer dizer, para nós que crescemos na periferia, é o preço das coisas que eles anunciam. Por exemplo, em uma edição eu lembro de ver um sabonete azul anti bacteriano pela bagatela de R$80. Você leu direito: R$80 um sabonetinho. Por esse preço eles deveriam no mínimo avisar se a loja vende em 12 vezes no cartão, porque tá difícil. E as roupas então é a mesma comédia: No espetacular mundo da revista você não consegue tapar a coisinha da criança por menos de R$400, nem sonhe. Cara, se quando eu tinha oito anos eu pedisse para minha mãe aquela camiseta de R$380, ela ia ter um enfarto, e se sobrevivesse ia mandar eu procurar em um brechó, e olhe lá! Falando bem sério, eu conheço muitas lojas que dá para comprar roupas muito boas para crianças sem sacrificar um salário para isso. Sério mesmo!
Agora, a parte que eu berrei, não sei se foi de riso ou de choro, foi uma matéria em uma edição recente sobre (pasmem): A criança de cada signo.
Assim, nada contra quem acredita em astrologia. Mas, em se tratando de uma revista de cunho científico, ainda que voltada para o povão
Antes de terminar esse texto, eu preciso dizer o seguinte: A grande conclusão que eu tiro disso é que o que a revista em questão faz é atender as demandas de quem realmente a compra. Uma assinatura de revista em geral não é exatamente barata, e quando eu era criança minha mãe não assinaria isso nem de graça, sobretudo quando é obrigada a levar a de política que vem toda semana junto. E de fato, nenhuma mãe que eu conheço, aqui na periferia, assina essa revista. Nós não somos o público alvo. No fim das contas, a culpa não é da revista, mas sim, de quem a paga. Eles dão a esses pais o que eles realmente pedem. Apesar de tudo isso, também fizeram muitas matérias interessantes nesses doze meses, se ignorar tudo isso.
Mas eu nunca na minha vida vou superar o sabonete de R$80. Nunca na minha vida.
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