Geralmente eu não dou presente nem para os meus sobrinhos no aniversário deles. Mas eu fui obrigado a fazer isso quando Pete fez seis anos. Eu só cuido do Pete para o Maurício em dias úteis, fora do horário de creche. E Maurício tinha me pedido para fazer hora extra na festinha de aniversário dele. Na verdade só tinha me convidado, o que na prática era me pedir para fazer hora extra sem me pagar. Certamente eu ia terminar protegendo os brigadeiros da mesa de bolo dos pirralhos que o Pete ia convidar.
Então, eu tinha que pelo menos dar um presente para o Pete antes da festa dele. Comprei alguma coisa pela manhã da sexta feira antes da festa dele e fui entregar quando estive no apartamento dele.
-Pete, o tio trouxe um presente para você! - Maurício chamou, quando eu cheguei.
E ele veio todo feliz, como qualquer criança ao ouvir essas palavras. Me abraçou e logo em seguida começou a abrir o pacote. Era um cachorro eletrônico. Já comprei com pilhas recarregáveis inclusive. Era o tipo de cachorro que ele poderia ter no apartamento: Ele poderia brincar como um cachorro de verdade, mas nunca latia e nem fazia cocô no chão, e o melhor: Podia ser desligado.
Pete ficou olhando para ele com certa inquietude.
-O que isso faz?
-É um cachorro!
-Não é um cachorro! Não tem pelos, não late, não faz nada!
-Tem que ligar!
-Cachorros não tem botões!
Apertei o botão na barriga dele para liga-lo. Ele fez uns barulhos, acendeu umas luzes e começou a andar pelo chão e balançar a cabeça. Eu teria achado o máximo ganhar um desses na minha infância. Sobretudo considerando o valor que eu paguei por ele.
-Legal! - Respondeu, sem muito interesse. - Obrigado, Tio!
Em seguida, se afastou e foi brincar com qualquer outra coisa que ele tinha. O olhar de decepção. Não imaginei que ele quisesse um cachorro de verdade. Ainda mais a geração dele que procura botões em tudo. Peguei o pequeno cachorro de metal e segurei nas mãos. Era como um filhote mesmo. Apertei outro botão na barriga, começou a latir.
-Olha, Pete, está até latindo!
-Não é um cachorro, tio! - Manteve-se irredutível.
Fiquei bastante decepcionado. Quando foi que essa geração parou de procurar botões e se impressionar com luzes coloridas e umas poucas frases pré-gravadas repetidas? Quando foi que mudaram tanto? Bem talvez fosse só o Pete mesmo. Quem sabe se o entregasse já ligado, fora da caixa e sem nenhum manual de instrução para o Pete encontrar o seu jeito de brincar com ele, tivesse se interessado mais.
Bem, agora era arrumar algumas horas na agenda amanhã. Teria mesmo que ir a festa dele.
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Esse texto é uma espécie de resposta bem humorada a crônica "A Bola" de um dos meus maiores ídolos na literatura, o cronista Luis Fernando Veríssimo, originalmente publicado em "Comédias da Vida Privada".
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